terça-feira, 2 de junho de 2009

Velho, Mafalda Veiga




Velho
Parado e atento à raiva do silêncio
De um relógio partido e gasto pelo tempo
Estava um velho sentado no banco de um jardim
A recordar fragmentos do passado

Na telefonia tocava uma velha canção
E um jovem cantor falava na solidão
Que sabes tu do canto de estar só assim
Só e abandonado como o velho do jardim?

O olhar triste e cansado procurando alguém
E a gente passa ao seu lado a olhá-lo com desdém
Sabes eu acho que todos fogem de ti prá não ver
A imagem da solidão que irão viver
Quando forem como tu
Um velho sentado num jardim

Passam os dias e sentes que és um perdedor
Já não consegues saber o que tem ou não valor
O teu caminho parece estar mesmo a chegar ao fim
Para dares lugar a outro no teu banco do jardim

O olhar triste e cansado procurando alguém
E a gente passa ao seu lado a olhá-lo com desdém
Sabes eu acho que todos fogem de ti prá não ver
A imagem da solidão que irão viver
Quando forem como tu
Um resto de tudo o que existiu
Quando forem como tu
Um velho sentado num jardim

Escada sem corrimão , David Mourão Ferreira




ESCADA SEM CORRIMÃO



É uma escada em caracol

E que não tem corrimão.

Vai a caminho do Sol

Mas nunca passa do chão.


Os degraus, quanto mais altos,

Mais estragados estão,

Nem sustos nem sobressaltos

servem sequer de lição.


Quem tem medo não a sobe

Quem tem sonhos também não.

Há quem chegue a deitar fora

O lastro do coração.


Sobe-se numa corrida.

Corre-se p'rigos em vão.

Adivinhaste: é a vida

A escada sem corrimão.


DAVID MOURÃO-FERREIRA

(24 Fev 1927 - 16 Jun 1996)